Por Carlos Roberto Liboni *
Dia desses, em trânsito numa rodovia do estado, observei uma cena que me chamou atenção, muito embora frequente na cultura brasileira. O motorista de um Civic preto que ia à frente, atirou pela janela um toco de cigarro à beira da pista.
Com a experiência de ter vivido fora do Brasil e entender o significado disso no primeiro mundo, onde uma multa pela infração pode chegar a 5000 dólares em alguns estados, iniciei uma reflexão sobre como as atitudes habituais de um cidadão, podem impactar tão fortemente toda uma sociedade. Pensei no setor sucroenergético, onde incêndios são cotidianamente um risco.
Não sem antes entender o risco convencional de um setor considerado instável, pelo menos ultimamente. Uma boa parte da sociedade brasileira tem cercado este setor produtivo de grande atenção, focando especialmente nos impactos socioeconômicos que esta indústria provoca no país, notadamente nesses últimos anos.
Foram muitas as armadilhas que capturaram a boa-fé dos empresários do setor, principalmente por acreditarem, de maneira generosa, no aceno progressista que receberam de líderes e governantes, imputados por “heróis” da economia nacional muito recentemente.
Daí, terem investidos seus recursos no crescimento de uma atividade que minguou rapidamente, por conta da infidelidade do nosso planejamento de longo prazo. Planejamento, aliás, incompetente, pela ausência de um marco regulatório claro e de um subsídio oferecido a gasolina via controle de preços, ambos corrosivos à justa remuneração do seu produto.
Mas isto não é tudo. Também a natureza veio com boa dose de irritação para judiar ainda mais do setor. Uma estiagem, que impactou fortemente na qualidade da cana moída, vêm matando o broto, mirrando a planta, e já comprometeu a safra de hoje e de amanhã, pintando ainda mais os balanços contábeis de vermelho.
E, para piorar, ultimamente, essa estiagem chega ao estágio mais ostensivo e ofensivo diante da sociedade. Vai além do econômico e facilita o indesejável incêndio espontâneo.
Todos sabemos que o fogo é o resultado de um processo termoquímico de oxidação, onde um combustível, como a palha, em contato com um comburente, como o oxigênio do ar, se inflama a partir de uma temperatura conhecida como “temperatura de ignição”.
Esta ignição pode vir de uma brasa de cigarro, ou um fósforo queimando, ou a temperatura que o sol intenso pode provocar, em certas circunstâncias, nas bordas das palhas. Seja qual for o agente da ignição, o fogo, quando não planejado, se alastra de maneira descontrolada, especialmente se o combustível for abundante e o vento forte.
A colheita mecanizada, como sabemos, elimina as queimadas controladas, mas não as acidentais ou naturais, que acontecem similarmente nas matas e cerrados, como temos visto pelo Brasil afora, especialmente, nos campos de cana, por deixar a palha no solo, como massa orgânica, após a colheita.
Nos últimos tempos, tem ocorrido uma incidência maior de focos de incêndio dessa natureza, nos canaviais de São Paulo. São extremamente antipáticos, uma vez que, a população conhece seus efeitos danosos, mas não conhece bem as suas causas. E mais, provoca grande prejuízo às usinas, tanto financeiro como social.
O fogo é cego. Não diferencia o que é cana pronta para moer do que é planta, renovação de canavial ou cultura orgânica. Vai queimando tudo, de forma desorganizada, e destruindo o valor agregado de cada tipo de açúcar produzido sem planejamento.
Foi aqui que o motorista do Civic preto me trouxe: à conclusão de que a multa de 5000 dólares nos USA faz todo sentido. É importante que tenhamos, todos, a consciência do risco e do prejuízo que podemos causar por, inadvertidamente, contribuirmos, de alguma forma, para a ignição destes incêndios acidentais que, evidentemente, vão muito além dos prejuízos mencionados, como no caso da Califórnia, quando queima grandes extensões de parques e residências.
É necessário uma reflexão política sobre a responsabilidade do cidadão no cuidado com o risco, sabendo que pode, com seu comportamento, evitar ou provocar dissabores imensos para a sociedade e para os direitos individuais.
Quem sabe esse texto possa ser a ignição de um processo reflexivo nesta direção. Esperamos que, pelo menos, aquele motorista do Civic preto nos leia. Já terá valido a pena.